Fabio Porta analisa “nossa divisão, nossa falta de estratégia, nossa falta de bom senso”
(Foto Desiderio Peron / Arquivo Revista Insieme)
Mistura de política brasileira com italiana, egos e divisões oportunistas, falta de uma estratégia da comunidade ítalo-brasileira, pulverização de candidatos e de votos, mentiras assinadas e anônimas, tudo isso junto e muito mais passeia pela cabeça de Fabio Porta, o candidato ao Senado pelo PD – Partido Democrático, tido como eleito mas derrotado nas últimas eleições parlamentares italianas, dentro da área sul-americana da Circunscrição Italiana no Exterior.
No “muito mais” em que pensa Porta (19.965 votos) entra a ‘taxa da cidadania’, defendida e praticamente criada pelo candidato derrotado como um recurso permanente para a solução das filas da cidadania, cuja notícia de liberação – segundo ele – chegava aos consulados no mesmo dia em que ele recebia a notícia de sua derrota nas urnas. “Ou seja, nós começamos um trabalho, eu pessoalmente, e não vou nem poder fiscalizar, nem acompanhar” embora seja agora que “vem a parte mais importante”.
Nessa entrevista, Porta faz uma análise da situação que o levou à derrocada, incluindo a decisão do partido de, à última hora, apontar sua candidatura ao Senado e não à Câmara, para onde vai agora o ex-senador Fausto Longo, com apenas 8.906 votos.
Naturalmente amargurado, ele lamenta que, se amanhã alguém apresentar alguma emenda interrompendo a transmissão ‘iure sanguinis’ no Senado, como fez o suíço Micheloni, “não vai ter nenhum senador que vai barrar isso”, e “duvido que a Usei e o Maie, com um deputado e um senador, vão ter força, mesmo tendo vontade, de evitar” que isso ocorra. Faltou pensar no Brasil e na comunidade ítalo-brasileira, observa ele. Naturalmente amargurado, Porta deixa claro que não vai abandonar a luta e aposta em novas eleições para breve.
Sobre as eleições na Itália, que diz e como vê a situação, hoje?
É muito difícil pensar numa solução estável. É difícil que se forme uma maioria: 5 Estrelas sozinho não tem maioria; a centro-direita também não tem; e o PD claramente teve uma derrota e vai ser difícil participar de algum tipo de acordo. Então, realmente, a situação é complicada. Mesmo formando – se se conseguir – algum governo, me parece que vai ser difícil que esse governo possa contar com uma sustentação por muito tempo. Então, acho que cresce a hipótese de novas eleições.
Não é impossível, mas parece difícil que se encontre uma solução que não seja algo de muito provisório. Não que a eleição vá mudar ou resolver, mas, na ausência de outras soluções, vai ser a última cartada. Se não for agora, dentro de um ano… tudo pode acontecer, mas com estes números é muito difícil pensar que vai existir alguma coisa de estável.
E sobre o nosso resultado, aqui na América do Sul? Porta sai e… o Longo fica?
É me parece que, pelos dados, ele fica. É um fator positivo para o Brasil que, diante de tanta divisão, tanta dispersão de voto, enfraqueceu e complicou a minha eleição. Se tivesse havido um pouquinho de bom senso entre as várias listas e partidos brasileiros, teria sido possível concentrar mais votos pelo menos no Senado, coisa bastante fácil prever pois não existiam outros candidatos que poderiam se eleger. Então, como sempre, em toda eleição, tentamos alertar que a eleição não é apenas uma somatória só de votos ou um festival de ambições pessoais, mas deveria ser uma estratégia um pouquinho mais pensada para poder conseguir algum resultado. Então desta vez acho que o Brasil se dividiu demais. Apesar do PD ter tido um bom resultado ao se confirmar a maior força do Brasil, mas com essa grande fragmentação de votos, com todas as polêmicas que poderiam ser evitadas, com ataques pessoais e coisas assim, penso que em geral tivemos muita dispersão de votos. Tanto no Brasil, quanto na América do Sul.
Você pensa que a lista do Grasso – a Líberi e Uguali – que, com 20 mil votos que não serviram para nada, poderia ter ajudado a eleger um representante, no caso, do PD, da centro-esquerda no Senado, pelo menos. Mas eles resolveram apresentar uma lista própria – um dos casos assim que não deu em nada. Sem falar de candidatos brasileiros de muitos partidos que fizeram somente o papel de dividir votos.
Infelizmente e claramente o Maie jogou muito nessa divisão nossa, colocando pessoas da mesma cidade como o Molossi e o Petruzziello na mesma lista, dividindo pessoas que eram do mesmo movimento, como o Taddone e o Roldi em outros partidos…. penso que o ítalo-brasileiro deveria ser um pouquinho mais atento, mais objetivo, mais ligado aos números. Tudo isso nos enfraquece.
E eu fico muito triste porque no dia em que tomei conta desse resultado, que acabei de fazer essa denúncia, chegou uma confirmação oficial para todos os consulados, que logo estarão recebendo os valores dos 30% [da taxa da cidadania]. Ou seja, nós começamos um trabalho, eu pessoalmente, que não vou nem poder fiscalizar, nem acompanhar, porque agora vem a parte mais importante… Então eu fico um pouco triste por isso, porque vejo que com esses novos parlamentares que entraram – o pessoal da Usei e outros de Forza Italia – me parece que, eu conhecendo o Parlamento, não vão nem ter a competência e a seriedade [necessárias]. São pessoas que somente queriam chegar lá para poder dizer: fui eleito deputado ou senador. Mas tenho certeza de que não vão fazer nada e a situação nossa vai, infelizmente, piorar.
E é triste ver como tivemos muitas pessoas… pessoas como o Scalia, quando na Internet eu escrevia para ele: Scalia, no Senado, pelo menos, pense bem ao votar, faça um voto útil para a comunidade ítalo-brasileira; eu sei que teu candidato na Câmara é o Taddone, e ele me escreveu: não, eu vou fazer um voto inútil, eu vou votar no Merlo. E o resultado é que com este “voto inútil” nós ajudamos também a eleição do senador da Usei; nós enfraquecemos o único senador ítalo-brasileiro que poderia ter um poder muito forte no Senado, para fiscalizar, para continuar a trazer esse tipo de resultado. É uma pena que isso aconteça.
Mas veja: eu fiquei muito contente ontem ao escutar uma gravação do Taddone [enviada] para todos os seus contatos, onde ele denuncia muitas irregularidades em Castel Nuovo di Porto (lugar das apurações dos votos do exterior – nr) e, com muita ênfase, ele lamenta a minha não eleição, dizendo que esta, segundo ele, é a maior perda para a comunidade brasileira: é não ter Fabio Porta no Senado.
Se – e agora esse se não existe mais – não tivesse havido aquela mudança de última hora, em que passou sua candidatura para o Senado, a estas alturas estaria tranquilamente eleito deputado. Concorda?
Sem dúvida. É claro que, se eu estivesse concorrendo para a Câmara, com a metade dos votos que eu tive para o Senado, eu estaria eleito. Fiz isso por uma questão de generosidade para o Partido, tanto no Brasil quanto na Argentina, porque na nova configuração da legenda precisava fortalecer o Senado, precisava abrir para novos candidatos no Brasil, oferecer uma oportunidade de eleição também para a Argentina, enfim, foi um ato, digamos assim… não foi uma imposição, mas uma discussão e, dentro dessa discussão, eu tive essa abertura, essa generosidade sabendo que estava correndo um risco. Infelizmente isso aconteceu, mas agora vamos em frente. Não é fácil. Depois de uma derrota desse tipo, você fica chateado até porque a coisa acontece de maneira pouco clara, porque não é somente uma perda humana. Aí fica um pouco com o sabor, assim, magoado…. mas foi isso que aconteceu.
E como fica agora seu projeto pessoal?
Vou continuar claramente mantendo a minha relação com a comunidade ítalo-brasileira. Sou o presidente de honra do nosso Patronato onde trabalhei durante mais de dez anos antes de ser eleito. Tenho relação também aqui na Itália com a União dos Italianos no Mundo, que é ligada à ‘Unione Italiana del Lavoro’. Vou conversar com eles. É claro que continuo a ser um dirigente do partido, faço parte da executiva nacional do PD, então vou acompanhar também isso… e, claramente, também te digo que tenho também a vontade de ficar um pouquinho sossegado, longe da política porque, com certeza, o diferencial entre o que você oferece à política e aquilo que você recebe é, infelizmente, no meu caso, negativo. Ou seja, com certeza, as satisfações são menores que o desgaste, até pessoal, familiar. Mas, enfim… nesses dias eu recebi muitas daquelas mensagens, milhares de e-mails, de mensagens via FaceBook, de todos os lados, não somente do Brasil, ou da América do Sul, mas do mundo inteiro que, claramente, me levam a ver as coisas de uma forma mais aberta, digamos assim, à possibilidade de continuar a dar alguma contribuição, se puder. Então, vamos ver. Ainda não fiz planos. É muito cedo para falar sobre o que fazer e se vou ficar mais no Brasil… mas com certeza vou continuar fazendo o meu trabalho entre São Paulo e Roma, acompanhando aqui um pouco a parte política e também a parte da comunidade ítalo-brasileira. E também com relação à América do Sul, porque tenho e continuo tendo contatos que, sem dúvida, vou continuar a acompanhar.
E acompanhar o desfecho dessa denúncia sobre as fraudes…
Devo acompanhar também essa situação, para ver o que, realmente, acontece, qual vai ser o caminho desse processo, claro.
Retomando um pouco uma conversa lá de trás: não acha que sua derrota possa ter algo a ver com a “taxa da cidadania”? Acha que o eleitor percebeu que esse é, como diz, um recurso permanente para a solução das filas?
Espero que as pessoas tenham conseguido entender. Lamento um pouco, primeiro, que boa parte da campanha tenha sido em cima desta questão, porque, apesar de eu ser o primeiro a considerar sua importância – e, além disso, seja eu o único a ter feito realmente algo para que se encontrasse uma solução, e não somente conversa – penso que a eleição deve ter um tema muito maior, porque não se pode fazer uma eleição de um deputado, de um senador, somente em cima de uma questão limitada, não? É como se um deputado da Catânia fizesse toda sua campanha em cima de uma taxa que se paga naquela cidade. Isso em geral.
Segundo: tiveram, assim, muitas pessoas que foram induzidas a não entender, a não compreender. Muitos candidatos… alguns jogaram mais corretamente, outros menos. Eu continuei trabalhando e informando exatamente que a taxa e a solução eram permanentes, que não era uma coisa eleitoral, que era uma reivindicação que hoje até aqueles que são contra fizeram como proposta e que… fico chateado porque as pessoas deveriam se concentrar para cobrar a chegada desses recursos que já existem e a aplicação desses recursos na solução do problema, porque essa é a única solução. Os 30% – apesar de que eu gostaria que fossem mais que 30; apesar de que eu teria gostado que não fossem 300 euros – agora são uma coisa concreta: existem os 30%; 30% são 90 euros para cada pedido [de reconhecimento da cidadania por direito de sangue]; este valor está entrando; este valor é permanente, o que significa que agora vai entrar o [valor de] 2016 e do primeiro trimestre de 2017; até o final do ano [entrará] todo o [valor relativo a] 2017. Então vai quase dobrar este valor. E, principalmente, como falou muito claramente o cônsul de Porto Alegre: este valor é suficiente para resolver o problema.
A nossa preocupação qual é? É acabar com a fila da cidadania. Nós encontramos o valor, estamos aplicando o valor no consulado, este valor é suficiente para resolver o problema. Penso que a comunidade deveria agora se preocupar apenas em cobrar esta solução. E eu ainda recebo mensagens dizendo: mas por que Curitiba não vai receber nada? Ou seja, tem informações que estão circulando e são erradas… ou: ah… mas esses recursos não existem! Outra informação errada: os recursos existem e estão sendo transferidos.
Então, esta campanha eleitoral também foi influenciada por essa questão e por muitas notícias falsas que deveriam ter colocado eu e o PD como a única solução ao problema e acabou sendo o contrário. Eu penso que nós somos o único partido que tem interesse de resolver esta questão. Com certeza Usei, Maie, justamente pelos números que a Argentina apresenta, me parece evidente que não tenham a mesma preocupação. E alguém que tenha um pouquinho de inteligência política pode até chegar a uma conclusão oposta, ou seja, que poderiam ter interesse contrário… naquele dia que o Zin falou em Curitiba e, na realidade, depois ele desmentiu, o Maie desmentiu. Mas muitas vezes você fala a verdade num momento em que a pessoa está… e exatamente isso. É claro que no dia em que o senador Micheloni, que hoje não está mais aqui, mas até alguém que vai apresentar no senado – e hoje ele é de ‘Liberi e Uguali’, não? – mas um colega dele um dia que vai apresentar no Senado a mesma emenda que foi apresentada no fim do ano e que eu, junto com Longo e com PD principalmente, tem a possibilidade de barrar… E esta foi outra conquista que poucos evidenciaram nesta campanha, porque nós não somente resolvemos a questão da taxa e da cidadania com o dinheiro que vai chegar, mas também conseguimos impedir a aprovação de uma emenda que acabava com a transmissão do ‘ius sanguinis’… que já estava apresentada e que, sem a nossa intervenção, a minha, do Longo e do PD, hoje seria lei.
Agora, amanhã, não vai ter nenhum senador que vai barrar isso. Eu não vou estar no Senado, e duvido que a Usei e o Maie, com um deputado e um senador, vão ter força, mesmo tendo vontade – e duvido até que vão ter vontade – mas não vão ter força política alguma para evitar. Porque esse é outro tema da campanha que não foi evidenciado suficientemente: o nosso era o único partido forte no Brasil, o único partido que está trabalhando nessas questões e principalmente o único partido que tem força, porque, nem a taxa da cidadania, nem barrar a lei Micheloni, teria sido possível se não existisse um partido forte para fazer isso.
Então essa coisa de partidos pequenos, de mandar fulano ou sicrano ao Parlamento pensando que ele vai resolver os problemas dos ítalo-brasileiros, isso não existe. Porque não vai resolver coisa alguma. Então é esse, um pouco, o desabafo geral. Porque não é uma questão pessoal. Quem perde é toda a comunidade do Brasil e eu fico contente também que lideranças que estão fora do PD comecem a reconhecer isso.
Juntando isso à sua parada forçada, pensa que isso reforçará a percepção da diferença?
É. Olha, isso… ontem à noite, conversando com algumas pessoas eu estava dizendo: olha, foi uma coisa triste, uma derrota, mas eu espero que pelo menos valha o recado principalmente para a comunidade ítalo-brasileira. O que aconteceu: a nossa divisão, a nossa falta de estratégia – que, repito, era suficiente concentrar no Senado os votos dos ítalo-brasileiros com, eu tenho certeza, um pensamento igual ao nosso – uma falta assim de bom senso, levou a isso. Espero que seja um recado importante e que [esse recado se] fortaleça. Se vai ter uma eleição em breve ou, enfim, nos próximo anos, que essa lição seja, enfim, uma lição para todos. Porque não posso acreditar que pessoas da comunidade, que foram candidatos quatro vezes, continuem a dividir votos; outros que entraram agora com a ilusão de que com mil votos você possa ser eleito… enfim, espero que na próxima vez, pelo menos prevaleça um pouquinho mais de bom senso e que tantos candidatos ou tantos partidos, antes de entrar na disputa, pensem bem que as chances de eleição são muito poucas e que talvez seja melhor se articular de forma diferente.
Quero ver se resumo todo esse seu sentimento…
Na realidade, você é a primeira pessoa com quem estou conversando assim, de forma pública. Acho isso importante até pela minha trajetória, que você acompanhou.
E a tentativa de colar a imagem de Porta na do PT ou na do Lula, isso teria influenciado em sua votação?
Não. Acho que, no Brasil, pelos votos recebidos, penso até que [aconteceu] o contrário. O PD, eu, os candidatos nossos, tivemos um bom desempenho. Não penso que isso tenha influenciado. Claramente, uma coisa me deixou muito decepcionado, magoado (até porque foi, na maior parte [dos casos] uma posição anônima, mas em parte assinada pelo Lorenzato, pelo Pastore, pelo pessoal da ‘Forza Italia’ – que mandaram e-mail do tipo: saiba em quem não votar): uma campanha feita em cima da negatividade, da deserção e, além disso, das mentiras, das acusações. Como eu falei: é claro que eu tenho fotos ao lado do Lula. Eu fui dez anos deputado e o Lula foi oito anos Presidente do Brasil. Você pensa que eu não tive momentos institucionais ao lado de ministro italianos, de embaixadores? Isso não significa nada. Eu nunca fui do PT.
Eu nunca fui de nenhum partido brasileiro. Aliás, tenho apoio e amigos de vários partidos. Achei realmente uma falta de respeito, de estilo. Claro que tive que responder, esclarecer, mas, a esse ponto, é muito triste. É lastimável também, como sempre falei, esta mistura de política brasileira com política italiana. É uma coisa errada, em todas as formas, que assim seja feita. É claro que essa agressão também [que sofri], se você está no Brasil, na Argentina, é uma coisa que deveria ser até denunciada. Eu cheguei a ver no Facebook um ‘post’ do Pastore, candidato ao Senado, de ‘Forza Italia’ do Berlusconi, dizendo: eu sou a favor do controle da imigração; o Fabio Porta é a favor da imigração clandestina; eu sou a favor do ‘ius sanguinis’, e Fabio Porta é contra; eu sou a favor, não sei… da descentralização dos consulados, e o Fabio Porta é contra… Todas coisas falsas. Não sei de onde ele tirou essas coisas que mereceriam até uma denúncia por calúnia.
Entrevista a Desiderio Peron