O papel central das comunidades italianas no mundo
Acompanhe, a seguir, a entrevista do sociólogo Fabio Porta, ex-deputado italiano na Câmara dos Deputado da Itália, coordenador do Partito Democratico (PD) na América do Sul, concedida a Massimo Maria Amorosini, jornalista, cientista político e diretor do canal “Ok Italia Parliamone“, no último dia 16 de junho. O assunto tratado na entrevista: O papel central das comunidades italianas no mundo.
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Bom dia a todos e bem sintonizados em Ok Italia Parliamone.
A pandemia Covid-19, dramaticamente, colocou o nosso país ao centro do mundo. A Itália foi destacada como um país de disseminação, na primeira fase da emergência, quando a epidemia não era ainda espalhada em toda a parte no mundo. Mas nesse momento de grande dificuldade, emergiu um patrimônio de relações humanas e sociais, verdadeiramente extraordinário e, certo, de alguma maneira, o que podemos ainda definir como a rede das nossas coletividades no exterior.
Hoje, temos como convidado no Ok Italia Parliamone, exatamente para falar da importância das comunidades de italianos no exterior, o presidente do Comitê apoiador de Italianos como nós – Excelências que se tornam identidade, Fabio Porta.
Fabio Porta, bom dia.
Bom dia, bom dia a vocês.
Porta, em todo o mundo, multiplicaram-se as iniciativas de solidariedade para ajudar a Itália a combater o vírus. Frequentemente, essas iniciativas foram promovidas pela nossa grande comunidade espalhada, em cada ângulo do planeta. Hoje, mais do que no pós-guerra, a Itália, podemos dizer, conta no exterior com uma coletividade forte e organizada, frequentemente em posição dominante em nível político, econômico e social. São todas pessoas que, em diversos âmbitos, contribuem com o próprio talento, e também com o próprio empenho, à promoção no mundo da melhor imagem da nossa Itália. Uma rede de recursos humanos que, seguramente, se adequadamente solicitada a envolver-se, poderá ser determinante também para a reconstrução da Itália, do nosso país, depois da crise devida ao Covid-19. Porta, o quanto são importantes as trocas entre a Itália e as suas comunidades espalhadas ao redor do mundo?
Obrigado por essa oportunidade, nesse momento histórico, em que nos dá a oportunidade de falarmos sobre a pandemia, sobre reconstrução e, sobretudo, do aporte que, mais uma vez, essa reserva extraordinária, eu diria quase única no contexto mundial, porque se existem outras coletividades estrangeiras no contexto mundial, nenhuma no mundo é assim radicada, tão forte, no apego aos próprios valores históricos e culturais como a italiana.
Uma coletividade que é filha de várias ondas emigratórias que foram iniciadas, fortemente, no início da unificação da Itália, mas que depois tiveram, também, como causa a situação econômica italiana, na Primeira e na Segunda Guerra Mundial, e das novas grandes ondas que, como sabemos, na realidade, jamais foram interrompidas e estão modificando-se, com o fluxo de mobilidade pela Itália e dos italianos através do mundo, e sendo retomada também nos últimos anos.
O dado justamente a sublinhar é que essa coletividade representou, e representa ainda hoje, um ponto de força extraordinária, sobretudo nos momentos de crise. Gostaria de recordar as famosas remessas dos imigrantes que, no pós-guerra, foram fundamentais para o boom econômico, o milagre econômico do país. Recordo que, desde 2004, o fluxo das remessas econômicas dos italianos no exterior para a Itália foi retomado de maneira considerável.
Tivemos, em 2017, quase 10 bilhões de euros que reentraram na Itália, dessa coletividade, e nesse momento, como você mencionou, a pandemia suscitou uma grande comoção, em todo o mundo, sobretudo nessas gerações, velhas e novas, de italianos que vivem no exterior, com iniciativas de solidariedade, com recolhimento de fundos, com doações. Eu creio que essa extraordinária solidariedade itálica, italiana no mundo, poderá transformar-se num motor, também, para a reconstrução disso que deveremos falar.
Muito bem. Porta, recordemos que, de 2008 a 2018, foi parlamentar pela Circunscrição Exterior América do Sul, membro da Comissão de Relações Exteriores, também presidente do Comitê Italianos no Mundo na Câmara dos Deputados (Itália). De 1995, data na qual fez parte de um projeto de cooperação ao desenvolvimento e, no Brasil, ocupa-se, principalmente, precisamente, de cooperação e de patronato. Podemos, portanto, dizer que conhece muito bem a realidade da comunidade italiana no exterior e quais são os seus sentimentos, a respeito do nosso país. Porta, podemos dizer que no interior do processo de globalização para a promoção do Made in Italy no mundo, um papel central pode ser, seguramente, desenvolvido exatamente pelas nossas comunidades italianas no exterior, com as suas redes de relações que podem, também, constituir um tipo de acelerador da Itália no mundo?
Sim, é exatamente assim, e temos, acerca disso, dados e provas irrefutáveis. Faço um exemplo, sempre relativo aos últimos anos. O setor da construção, um setor obviamente treinante que tem uma engrenagem na mesma medida importante e, com esse setor, as grandes empresas italianas. A Salini Impregilo, a Techint, a Astaldi, e outras, ainda somente na América do Sul, tiveram um faturamento de 30 bilhões de dólares, por ano. Um faturamento que, obviamente, é muito maior daquele que essas grandes empresas, que são multinacionais, têm em outras partes do mundo, por exemplo, na Ásia.
O que isso significa? Significa que não é somente o crescimento econômico dessa área a influenciar o sucesso do Made in Italy e do nosso sistema, mas são aquelas redes de relação e de contatos, de profundos vínculos históricos e culturais que ligam a Itália a esses países, através das nossas coletividades, que depois são também transformadas em business community, comunità d’affari, comunidades inseridas em todos os níveis, e que se transformam no canal, no veículo principal privilegiado, também através da rede de nossas Câmaras Italianas de Comércio no exterior que têm os terminais exatos para chegar até a economia local.
Então, trata-se de um elemento absolutamente fundamental e que hoje pode fazer a diferença, num mercado, obviamente, global, muito difícil, pleno de concorrência. Os nossos concorrentes, no mercado internacional, são fortes, mas nós temos esse adicional positivo representando pelas nossas comunidades no exterior que, desejo ainda recordar, são filhas de uma emigração que levou trabalho, valores positivos a esses países, enquanto, talvez, outras culturas, outros países levaram, com a colonização, destruição e morte, elementos negativos.
Conforme o que você dizia antes, podemos afirmar que, certamente, o Made in Italy é o instrumento através do qual o nosso país construiu a própria imagem, além das fronteiras. É sinônimo de qualidade, excelência, expressão internacional da cultura do saber fazer italiano porque, obviamente, reconhece ao nosso país esse grande saper fare. É errado pensar que exatamente o Made in Italy seja, em algum modo, o símbolo da vitória da emigração italiana no mundo?
É exatamente assim. Na realidade, essa segunda parte da história da nossa emigração é pouco conhecida na Itália e eu, não por acaso, tenho batido muito, continuarei a fazê-lo dentro e fora do Parlamento, a fim de que em nossas escolas, nas escolas italianas, sejam inseridos programas de estudos sobre a presença italiana no mundo, em vários níveis, econômico, cultural, histórico e político. Nós todos temos muito clara a imagem da mala de papelão, imagem do italiano pobre que emigra. Conhecemos menos a fase sucessiva das migrações…
Histórias de sucesso.
Exato, é uma história, sobretudo, de sucesso, sem desconsiderar histórias que existem, também, de casos difíceis, mas é, sobretudo, a história de casos de sucesso, da Austrália ao Brasil, do Canadá à Argentina, os italianos transformam-se em parte integrante da classe dirigente, do nível empreendedor, político, intelectual, cultural. E é claro, então, que o Made in Italy representa, nesses países – alguns hoje falam até de pos-Made in Italy, porque é um Made in Italy acrescido dessa presença que é altamente integrada, que em alguns casos se torna até difícil de distingui-la da realidade de países, como propriamente a Argentina ou o Brasil, no caso da América do Sul, mas também em países da América do Norte e a Austrália. Ou seja, um Made in Italy ainda vivo que devemos não somente defender, mas também promover, mas de maneira inteligente, com a cultura do pos-Made in Italy, isto é, conjugando-o com aquilo que souberam fazer os italianos no mundo.
Falemos mais dos italianos no mundo. Dissemos, no início, Porta é presidente do Comitato Italiani come noi – Eccellenze che diventano identidá. Você, aos nossos conacionais em geral que amam a Itália e que, obviamente, nos vários âmbitos, contribuíram com o próprio talento, o próprio empenho à promoção, no mundo, da melhor imagem da Itália, reconheceu um diploma de “Embaixador de Italianos como Nós”. Qual significado tem esse importante reconhecimento e a quem foi concedido?
Sim, essa é uma iniciativa que, há alguns anos, foi promovida pelo nosso comitê. E quero recordar que nós recebemos, também, um reconhecimento, do qual temos muito orgulho, da parte do presidente da República…
Presidente Mattarella…
…Mattarella, por essa iniciativa. O diploma de “Embaixador Italianos como Nós”, que eu mesmo tive, do mesmo modo, a honra de entregar a alguns desses representantes da Itália no mundo, é concedido a personalidades do campo político, cultural, empreendedor, que se distinguem e levam ao mundo a excelência italiana, em vários níveis. Eu o conferi à parlamentar Valentina Vezzali que, naquele momento, era também uma deputada, mas, sobretudo uma pluri olímpica, e um dos exemplos do esporte italiano no mundo.
O título de “Embaixador” foi recebido por um político importante, que hoje nos representa na Europa, como Paolo Gentiloni, ou alguns, também, dos nossos melhores diplomatas. Quero recordar Michele Valensise que foi secretário geral da Farnesina, e tantos outros, pequenos e grandes empreendedores e personalidades do mundo da cultura que são, ainda hoje, aquilo que nós queremos chamar de embaixador porque, na realidade, a melhor diplomacia é feita através do testemunho de pessoas, de histórias, de relações propriamente que fazem da Itália no mundo algo não nostálgico, mas concreto e real.
Muito bem. Frequentemente ouvimos um termo que, talvez, a tantos ainda seja desconhecido. O termo “itálicos”. Os itálicos são uma população de, ao menos, 250 milhões de pessoas no mundo e seriam, propriamente, os italianos e os seus descendentes, mas também os amantes da nossa língua, da nossa cultura, como alguém que, por qualquer motivo, tenha um vínculo pessoal, profissional ou, simplesmente, ideal com o nosso país. Podemos dizer que se trata de um patrimônio único e formidável que, unicamente, a Itália pode gabar-se no mundo. E que teria, possivelmente, necessidade de uma aliança estratégica, porém, com o mundo da política e das instituições. De que modo, Porta, os itálicos podem representar um valor adicional ao nosso país?
Absolutamente sim, e faz-necessário dar crédito a Piero Bassetti, que é o ideólogo da italianidade no mundo, que com seu manifesto “Svegliamoci italici” abriu a porta a esse extraordinário mundo de 250 milhões, ou mais, de itálicos no mundo. Por itálicos entendemos, segundo Bassetti – e eu tive a honra de poder discutir com ele, no final da primeira edição do livro, sobre o sentido do projeto -, pessoas de diferentes títulos que se identificam, que se reconhecem nos valores e na cultura italiana. Portanto, são italianos, descendentes de italianos, amantes da cultura italiana, estrangeiros que vivem na Itália, um Commonwealth, como definiu Bassetti, ou seja, uma rede extraordinária de italianidade no mundo que se torna italianidade porque se enriquece de valores híbridos, como em determinado ponto sustenta o livro “Svegliamoci italici”.
A nós eles são, seguramente, um potencial que deveria ser mais contemplado, também, pela política. Hoje, a proposta de itálicos ocorre em iniciativas, em muitos países. No Brasil, nasceram associações itálicas. Na Argentina existe uma cátedra itálica, junto à universidade.
Porém a presença itálica, associada, existe na Índia e, obviamente, na Europa e na América do Norte. Creio que a italicidade, é o maior desafio e a maior oportunidade que temos porque nos permite colher, não apenas um mercado extraordinário, por envolver 250 milhões de pessoas, uma população, aparentemente, igual a de uma grande potência, como os Estados Unidos, mas também por poder tornar-nos central como Itália – não, obviamente, num sentido autoritário imperial, mas com aquela soft power, com aquela potência doce que pode tornar o nosso país um elemento de referência, do ponto de vista cultural, institucional.
Isso, num momento de grande polarização, também de grande tensão geopolítica no mundo, pode ser uma outra contribuição que a Itália pode dar ao cenário internacional. E não é por acaso que esse projeto foi apresentado pelo próprio Bassetti às Nações Unidas, portanto é alguma coisa que verdadeiramente pode ter um aspecto muito forte. Pecado que a política não esteja seguindo, adequadamente, esta iniciativa e eu acredito que é uma das coisas sobre as quais podemos nos empenhar, nos próximos anos.
Porta, mas há uma tentativa da política de reduzir o número dos parlamentares eleitos no exterior.
Sim, é uma tentativa ainda em curso. Como você sabe, haverá um referendo confirmativo, nos próximos meses e, no interior desta redução geral dos parlamentares, teremos também uma redução proporcional da delegação, na Câmara e no Senado, dos eleitos no exterior. A coisa obviamente estranha, e com a qual não concordo, não é tanto o fato de que se reduza, no geral na Itália, os parlamentares, mas que o faça sem ter em conta o número dos eleitores. Nós, para se ter uma ideia, temos, praticamente, o dobro do corpo eleitoral de 2006, ano da primeira eleição dos parlamentares no exterior, quando era cerca de 3 milhões os eleitores italianos no exterior.
Hoje, em 2020, somos quase seis milhões de italianos residentes no exterior, com direito de voto. Portanto, teríamos direito à duplicação e não a redução pela metade do corpo eleitoral. Porém, a coisa que precisamente me faz mal é, sobretudo, a ausência, ao ponto de divisão, de atenção ao mundo da Itália no exterior, e por isso eu digo que a política não está suficientemente sensível a um tema que, diferentemente, poderia se transformar numa grande oportunidade para o país.
Eu agradeço a Fabio Porta por este encontro conosco, por ter clareado sobre o importante papel dos nossos conacionais, de primeira e de segunda geração, obviamente, que estão no exterior, e de quantos, de qualquer forma, em várias capacidades, contribuem cotidianamente manter alto o bom nome da Itália. Obrigado Fabio Porta.
Obrigada a você.
Obrigado aos nossos ouvintes, e até o nosso próximo encontro de aprofundamento. Adeus a todos.
Adeus.
Fabio Porta è sociologo, Coordinatore del Partito Democratico (DP) in Sud America, due volte deputato, eletto dalla Circoscrizione straniera al Parlamento italiano. Autore di numerose pubblicazioni e articoli per giornali italiani e stranieri, è Presidente del Patronato Ital-UIL del Brasile e dell’Associazione di Amicizia Italia-Brasile; Vice Presidente dell’ICPE (Istituto per la Cooperazione con i Paesi Esteri) e Vice Presidente dell’Associazione “Focus Europe”.
Email: contato@fabioporta.com