Dia do Colono, homenagem ainda atual à epopeia da imigração no Brasil

Dia do Colono, homenagem ainda atual à epopeia da imigração no Brasil
Fabio Porta é sociólogo, ex-deputado italiano eleito no Exterior pela América do Sul

De Fabio Porta

25 de julho, no Brasil, é o dia dedicado ao “colono”; de certa forma, é a festa de todo brasileiro, de milhões de descendentes daquela heroica legião de imigrantes provenientes de diferentes países e continentes. O Brasil que conhecemos foi construído por imigrantes. Especialmente os italianos.

No final do século XIX, quando a Itália se preparava para tornar-se um Estado unitário, o Brasil tinha apenas dez milhões de habitantes e o Rio Grande do Sul (pouco menor que a Itália) menos de meio milhão, deslocados principalmente na costa do Atlântico. A área montanhosa, a Serra ainda coberta por florestas de araucária, era terra de ninguém, habitada apenas por animais e por tribos indígenas residuais.

O governo decidiu assim iniciar uma maciça política imigratória da Europa para preencher o território e colocá-lo em cultivo, favorecer a pequena propriedade camponesa de trabalhadores livres, em face às imensas propriedades territoriais de origem portuguesa, baseadas no trabalho escravo.

O território mais delicado era o Rio Grande, o mais fértil, percorrido por emoções separatistas, jamais adormecidas, mesmo após o fim da Guerra dos Farrapos (1835-1845), aquela na qual se inseriu Garibaldi, depois da fuga do Piemonte. Aqui, na serra, foi delimitada uma zona colonial mais ou menos vasta como a Planície Padana, e a ela foi endereçada, nas últimas décadas do século 19, uma parte da multidão de emigrantes italianos que, após a Unificação da Itália, fugiram da miséria das zonas rurais para procurar por terras e trabalho no novo mundo.

Depois de uma viagem exaustiva – pelo oceano até Santos e de Santos a Porto Alegre, portanto pelo rio e depois a pé, até a zona colonial – desembarcaram nessas montanhas cerca de setenta mil famílias, a maior parte proveniente do Vêneto. Receberam lotes de terrenos mal demarcados na floresta, as ferramentas indispensáveis para abrir a mata e fazer a semeadura e lhes foi dito que se arranjassem.

Os primeiros anos foram dramáticos. “É doloroso, é horrível acompanhar os infelizes emigrantes até o Calvário”, escrevem os inspetores italianos que do consulado de Porto Alegre procuravam segui-los e enviavam relatórios ao nosso Ministério das Relações Exteriores, propondo medidas a seu favor, que eram sempre desconsideradas. Aqui, invocavam os cônsules, são necessários professores do ensino fundamental, médicos, uma linha de navegação direta entre Gênova e Porto Alegre. Aqui estava nascendo uma “nova Itália” que contribuía com as remessas à riqueza nacional (incrivelmente, essas pessoas economizavam e enviavam dinheiro para a Itália), mas também pediam ajuda. Em contrapartida nada foi feito.

Os colonos fizeram tudo sozinhos. Muitos “vivem em um estado semisselvagem, não se atrevem a mostrar-se quando um viajante passa”. O que os salvou foi o clima saudável das montanhas, ventilado, com estações bem diferenciadas. E depois a coesão familiar, a solidariedade recíproca, o forte senso religioso que eles haviam trazido da Itália. O isolamento mantinha viva a língua, o dialeto vêneto falado (ninguém falava italiano), que sobreviveu e hoje é reconhecido por lei como patrimônio cultural do Rio Grande do Sul, o Talian.

Mais forte que o desespero, porém, era a liberdade de qualquer servidão que o Brasil lhes oferecia, a perspectiva da propriedade da terra que lhes fora negada na Itália. Na véspera da Segunda Guerra Mundial, cerca de quarenta anos após os primeiros desembarques, a área colonizada era irreconhecível. Onde uma vez estava localizada a floresta, havia agora aldeias, estradas, plantações, uma rede ativa de trocas. “As casas de madeira prevalecem – escreve o cônsul italiano Giovanni Battista Beverini, em 1912 – tudo nelas dá a você a ideia de um trabalho febril e material; nada, nem mesmo a cama, oferece a ideia de descanso”.

Os lotes de terreno foram comprados e deram origem a uma nova classe de pequenos proprietários. À custa de inenarráveis sacrifícios, tinha acontecido exatamente aquilo que o governo havia pretendido, ao criar a colônia italiana: um modelo social sem precedentes, de trabalhadores independentes, de pequenos empresários, desconhecidos no antigo Brasil português de economia servil.

Dos sofrimentos do passado permanece agora somente a lembrança, ainda que a expressão “colônia” continue sendo usada para indicar o antigo território italiano. Os descendentes desses camponeses analfabetos, hoje se tornaram a classe dominante do Rio Grande do Sul, à qual deram, após a guerra, sete governadores e uma nova geração de historiadores, cada vez mais ativos nas universidades. Os seus estudos, a partir daqueles pioneiros do falecido Frei Rovilio Costa (1934-2009), tendem a demonstrar como a emigração europeia (sobretudo a italiana) e a colonização não representam uma história menor, mas ao contrário, elas são parte integrante e decisiva no processo de construção da nação e do Estado. “A tese que pode ser extraída – escreveu o historiador italiano Gianpaolo Romanato – é tão sugestiva quanto inovadora para a cultura nacional: o Brasil moderno não é um país monocêntrico, mas policêntrico, ainda em andamento, ao qual contribuíram e contribuem tanto os componentes tradicionais, de origem colonial, quanto àqueles derivados da emigração”.

E, deste último componente, o italiano, sem dúvida, constituiu a parte mais relevante, tanto em qualidade quanto em quantidade. Uma história que nos enche de orgulho, mas também de tamanha responsabilidade pelo futuro do país que nos recebeu de braços abertos e que todos nós amamos.

Fabio Porta é sociólogo, coordenador do partido italiano Partito Democratico (PD), na América do Sul. Foi deputado por duas vezes, no Parlamento Italiano, representando os cidadãos italianos residentes na América do Sul.  Preside o Patronato Ital-UIL Brasil (São Paulo – Brasil) e a Associazione Amicizia Italia-Brasile (Roma – Itália); é vice-presidente do Istituto per la Cooperazione con Paesi Esteri – ICPE (Bari – Itália) e da Associação Focus Europe (Londres – Reino Unido). É autor de numerosos artigos e publicações, em jornais italianos e estrangeiros.

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